Desafios éticos na condução dos negócios
O consumidor está cada vez mais atento às tomadas de decisão nos negócios, em matéria de responsabilidade social e ambiental, assim como na proteção dos seus dados, cada vez mais fáceis de recolher. A discussão sobre a ética urge e a L’Oréal promoveu o debate
Ana Catarina Monteiro
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O consumidor está cada vez mais atento às tomadas de decisão nos negócios, em matéria de responsabilidade social e ambiental, assim como na proteção dos seus dados, cada vez mais fáceis de recolher. A discussão sobre a ética urge e a L’Oréal promoveu o debate.
A L’Oréal foi reconhecida pelo sétimo ano consecutivo como “a empresa mais ética do mundo” (World’s Most Ethical Company 2016) pelo Instituto Ethisphère, que avalia mais de 100 empresas a nível mundial que conduzem eticamente os negócios. Valências como o investimento até à data de “mais de um bilião de euros em métodos alternativos aos testes em animais”, além de ter sido uma das primeiras empresas em França a estabelecer um Código de Ética, em 2000, e a designar um diretor de Ética, em 2007, valem o reconhecimento à produtora de cosméticos.
O seu modelo de negócio ético foi apresentado enquanto ‘case study’ em Portugal, durante a conferência “Ethics Conference” que a multinacional levou a cabo, no passado mês de junho, em parceria com a Nova Information Management School da Universidade Nova de Lisboa. A sessão foi aberta pela CEO (Chief Executive Officer) da filial portuguesa da companhia, Inês Caldeira, que deu conta que um dos “objetivos a nível nacional passa por até final deste ano ter todos os colaboradores integrados consoante os padrões de ética negocial”.
Desafios da ética transversal a um negócio global
Emmanuel Lulin, senior vice-presidente e Chief Ethics Officer da empresa, respondeu à questão “como a L’Oréal se posicionou como a empresa mais ética do mundo?”. A marca fundada na capital francesa “segue convicções éticas como acreditar em valores fortes, obedecer a regras ou fomentar as alianças entre equipas com base numa política condescendente”.
No entanto, um modelo de gestão ético não pode ser linear quando se trata de um negócio com 32 marcas que chegam aos quatro cantos do mundo, com vendas de 25,26 mil milhões de euros no último ano e que sustenta 78 600 postos de trabalho a nível global. “É difícil agradar a todos”, aponta o responsável. “A empresa atrai cerca de um milhão de novos consumidores por ano provenientes de países emergentes, onde existe uma percepção diferente de o que é a ética. Muitas vezes tem que ser adaptada às questões locais”.
A resolução de conflitos no quotidiano é um dos desafios. “Por exemplo, tivemos uma diretora de Marketing em Itália que publicou na conta do Facebook um comentário depreciativo sobre uma pizza que comprou. Embora fosse uma conta pessoal e o comentário não passasse de um desabafo feito num impulso, no seu perfil indicava o seu cargo na L’Oréal e a cadeia de distribuição visada não gostou e remeteu para as autoridades, que lhe foram bater à porta. O que fazer nesta situação? Defender a trabalhadora ou não nos associarmos ao caso? Na altura, esta situação dividiu a equipa mas acabamos por defender a nossa diretora”.
Para o responsável francês, que no último ano recebeu o prémio Carol R. Marshall Award, pela inovação em ética corporativa por parte da Ethics & Compliance Initiative (ECI), um dos maiores desafios atuais “situa-se ao nível da legislação. Nem tudo o que é legal é ético. Os legisladores têm hoje que estar mais atentos”.
Avanços tecnológicos exigem maior atenção à ética
“Com os avanços tecnológicos, em breve será possível sequenciar ADN por 100 dólares. Conseguiremos rastrear todo o nosso cérebro, como se faz no Google Maps. E com a quantidade de dados a que hoje é possível aceder começam-se a colocar questões relacionadas com a propriedade – de quem é a informação? É preciso incluir toda a gente nesta discussão”, sustenta, por sua vez, João Cordeiro, investigador doutorado em filosofia pela Nova Information Management School.
Neste sentido, Fernando Bação, professor de Gestão de Informação da mesma escola, vê desigualdades em termos de acesso à informação. “Há uma parte da nossa vida que está registada digitalmente e que está sequestrada nos Estados Unidos. As empresas norte-americanas e anglo-saxónicas têm políticas mais permissivas que os europeus em geral e conhecem melhor os portugueses do que as próprias empresas portuguesas. Pagamos publicidade à Google porque eles sabem mais sobre o mercado nacional do que nós”.
Segundo Sofia Tenreiro, Country Manager da Cisco, também presente no debate, isto acontece porque “a legislação protege a aquisição de dados. Já é possível sabermos a reação do consumidor através de reconhecimento facial mas em Portugal não podemos utilizar vídeo porque a legislação não permite”.